EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C DEPÓSITO INCIDENTE. CDC. CAPITALIZAÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA EXCESSIVA E INDEVIDA.
I - O Código de Defesa do Consumidor aplicável à espécie (Súmula 297 do STJ) permite a revisão de cláusulas contratuais ilegais.
II - Qualquer sistema de amortização que resulte em ilegal forma de capitalização de juros deve ser afastado (Súmulas 93 e 121 do STJ e STF, respectivamente, e art. 591 do Código Civil de 2002).
III - É ilegal, abusiva e nula de pleno direito a cláusula contratual que estipula a cobrança de comissão de permanência, notadamente quando cobrada com outros encargos inacumuláveis (STJ - Resp nº 734.023/RS).
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 117468, acordam os componentes da Segunda Turma Julgadora da Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em conhecer do apelo e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.
Votaram, além do Relator, os Desembargadores João Ubaldo Ferreira e Luiz Eduardo de Sousa.
Presidiu a sessão o Desembargador Luiz Eduardo de Sousa.
Fez-se presente, como representante da Procuradoria-Geral de Justiça, a Drª Ruth Pereira Gomes.
Goiânia, 04 de dezembro de 2007
DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA
Presidente
DES. LEOBINO VALENTE CHAVES
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 117468-9/188 (200704234860)
COMARCA DE GOIÂNIA
APELANTES : MARIA GERTRUDES ASCÊNCIO MARTINS
E OUTRO(S)
APELADO : BANCO FINASA S/A
RELATOR : DES. LEOBINO VALENTE CHAVES
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.
Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida pelo Juiz de Direito da 6ª Vara Cível desta Capital, Dr. José Ricardo M. Machado, em sede da ação Revisional de Contrato c/c Depósito Incidente – Pedido de Liminar, promovida por MARIA GERTRUDES ASCÊNCIO MARTINS e SÉRGIO ANTÔNIO MARTINS em desfavor do BANCO FINASA S/A, em virtude de terem firmado Contrato de Financiamento. Processado o feito, adveio sentença fls. 90/97, que julgou improcedentes os pedidos contidos na inicial, mantendo os encargos contratuais como firmados.
Primeiramente, ressalto que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” (Súmula 297 do STJ), com base no disposto no art. 3º, § 2º, do CDC, de sorte que não há se falar em ausência dos requisitos para a revisão contratual.
Acresço que o Supremo Tribunal Federal, em controle abstrato de constitucionalidade, também respaldou a aplicação do CDC às operações bancárias, sacramentando definitivamente a idéia de sua incidência não colidente com o sistema financeiro nacional (ADIn nº 2591).
Pois bem. É consabido que o Diploma Consumerista, como norma de ordem pública de proteção, permite o reconhecimento de cláusulas abusivas, nulas de pleno direito, notadamente em face da natureza de adesão do contrato em referência.
Neste contexto, no que se refere à capitalização de juros, ressalto a determinação de que seja anual, a despeito de ser pacífico o entendimento de que qualquer metodologia ou sistema que viabilizá-la por lapso inferior, expressa ou implicitamente, torna-se insubsistente e, portanto, deve ser afastado (Súmulas 93 e 121 do STJ e STF, respectivamente, ambas em consonância com os artigos 591 e 2.035, parágrafo único, do Código Civil de 2002).
Nesta direção, certo é que a aplicação da Tabela Price nos contratos, por capitalizar juros sobre juros, representa fator de desequilíbrio entre os contratantes.
A sua incidência quando não pactuada ainda implica em flagrante violação ao direito básico do consumidor à informação prévia (acerca da própria existência de capitalização) e adequada (de sua real periodicidade), garantida pelo art. 52, II do CDC:
“Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por leis especiais, a capitalização mensal dos juros se mostra admissível. (...)” (STJ - 4ª Turma, AGA 488749, DJ de 18.10.2004, Rel. Min. Barros Monteiro).
A aplicação da MP nº 2.170-36/01 (art. 5º), por outro vértice, escuda-se na expressa previsão contratual, ausente, in casu, pelo que sequer merece maiores considerações.
Quanto à comissão de permanência, entendo que a melhor exegese consiste na substituição da mesma pela correção monetária realizada pelo INPC.
Ocorre que a estipulação contratual concernente à predita comissão de permanência exsurge nula de pleno direito, em toda sua integralidade, seja pela ausência de contratação de um percentual limite (exegese das Súmulas 294 e 296 do STJ), seja pela ausência de mora voluntária, decorrente das exigências de valores indevidos (art. 396 do CC/02 e STJ - AGRESP 316.335/RS e 423.266/RS), ou ainda, por força da sua cobrança ilegítima, cumulada com outros encargos cuja vedação já se pacificou, consoante demonstram os seguintes arestos que afastam qualquer dúvida:
“Admite-se a cobrança da comissão de permanência, após o vencimento da dívida, em conformidade com a taxa média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa pactuada no contrato, desde que não cumulada com juros remuneratórios, correção monetária ou qualquer outro encargo.”
(STJ, Terceira Turma, Resp n.º 734.023/RS, DJ de 01.08.2005, p. 459. Relator Ministro Castro Filho).
“É admitida a incidência da comissão de permanência após o vencimento da dívida, desde que não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, multa contratual e/ou correção monetária.
Precedentes.” (AGRESP 533.255/RS. DJ 21.06.2004, p. 217. Relatora Ministra Nancy Andrighi).
Esta também a posição desta Corte:
“É ilegal e abusiva a cumulação da comissão de permanência com correção monetária, juros remuneratórios, moratórios, ou multa contratual (STJ - AGRESP ns. 533.255/RS e 536.588/RS).
Outrossim, o credor, ao exigir mais do que tem direito, desclassifica a mora debitoris para a creditoris, conforme exegese do art. 963 do CC/16 (equivalente ao art. 396 do CC/02), inviabilizando a cobrança de encargos moratórios.”
(Apelação Cível nº 80.372-1/188, julgada em 24.09.04, de minha relatoria).
Demais disso, o previsto na Resolução nº 1.129/86 do BACEN não credencia, a par dos fundamentos aduzidos, a sua cobrança. Nesse rumo:
“CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 30, 294 E 296 DO STJ. CUMULAÇÃO COM ENCARGOS MORATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. I - A despeito da redação do inciso I da Resolução nº 1.129/86, a Segunda Seção deste Tribunal confirmou o entendimento das Turmas que a compõem, no sentido de ser vedada a cumulação da comissão de permanência com correção monetária (Súmula 30), com os juros remuneratórios (Súmula 296) ou quaisquer acréscimos decorrentes da mora, tais como os juros moratórios e multa (AgRg no RESP 712.801/RS, Rel.
Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 04.05.2005). II - Agravo regimental desprovido.” (STJ, AgRg no AgRg nos EDcl no Ag 634358, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 02/06/2005, DJ de 20/06/2005).
Imperiosa, então, a fixação do INPC para corrigir o débito, vez que necessária a atualização do valor da moeda. Assim: “...A exclusão pelo STJ da comissão de permanência, porque indevidamente cumulada com multa por inadimplemento, não afasta, contudo, a necessidade da recomposição da moeda, cabível quanto a qualquer débito, elegendo-se, nesse caso, como indexador, o INPC” (STJ, Resp 464447, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 10/03/2003).
A utilização do INPC se baseia no fato deste ser o índice oficial mais benéfico ao consumidor:
“O INPC é um dos índices oficiais de correção monetária mais benéfico ao devedor, podendo ser aplicado em substituição ao indexador pactuado, com o apoio no CDC (art. 47) e no CC (art. 423), pois demostrando ser um dos índices que melhor promove o reajuste das prestações convencionadas” (TJGO, Apelação Cível nº 96175-4/188, Relator: Des. Luiz Eduardo de Sousa, DJ de 06/10/2006).
Portanto, a pretensão de revisão das cláusulas abusivas e ilegais merece acolhida, concluindo-se pela: permissão de incidência da capitalização anual (arts. 406 e 591 do CC/02 c/c art. 161, § 1º do CTN) e atualização monetária pelo INPC, em face do afastamento da comissão de permanência.
Todavia, há de se atentar que a sentença monocrática, ao envergar-se na análise da pretensão dos recorrentes, ultrapassou os limites do pedido inicial, decidindo sobre os juros remuneratórios.
Assim, verifica-se que o ato judicial ultrapassou pontualmente os lindes processuais, onde ocorreu a falha do julgamento, ou seja, sentença ultra petita.
Destarte, nestes casos, ao invés de anular o decisum, o mesmo há de ser reduzido aos limites do pedido.
Neste sentido: STJ- RT 673/181; RT 750/307 e JTJ 239/47.
Por todo o exposto, com base no sistema de proteção ao consumidor e no equilíbrio que suas normas visam traçar para as relações jurídicas submetidas à sua regulamentação, dou provimento ao recurso apelatório para reformar o decisum da instância primeira, decotando a parte que analisou a limitação dos juros remuneratórios, determinando a incidência da capitalização anual e atualização monetária pelo INPC, em face do afastamento da comissão de permanência, tornando válidos os depósitos efetivados em juízo, e por decorrência lógica, mantido os efeitos da tutela concedida às fls. 30/33. Quanto aos ônus sucumbenciais, inverto-os.
É o voto.
Goiânia, 04 de dezembro de 2007
DES. LEOBINO VALENTE CHAVES
Relator
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJGO -Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. TJGO - Comercial. Contratos Comerciais. Ação revisional de contrato c/c depósito incidente. CDC. Capitalização. Comissão de permanência. Cobrança excessiva e indevida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2011, 10:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /23535/tjgo-comercial-contratos-comerciais-acao-revisional-de-contrato-c-c-deposito-incidente-cdc-capitalizacao-comissao-de-permanencia-cobranca-excessiva-e-indevida. Acesso em: 26 nov 2024.
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